sábado, 30 de outubro de 2010

Vontade de Deus

O encontro!



Blog de Josias de Souza

(In)dirigível!



Blog de Josias de Souza

Já vai tarde

Em 20 anos acompanhando campanhas eleitorais para presidente -- 21 para ser mais exato, porque minha campanha de estreia foi a primeira pós-democratização, em 1989--, nunca fiquei tão chateado como ao longo da que agora se encerra.
Naquela eleição, havia Collor, e dele sabíamos que se podia esperar tudo o que acabou fazendo, na campanha e na Presidência.
Mas, agora, fazia tempo que não via tanta grosseria, tanta maledicência, tanta acusação sem sentido e tanto desrespeito.
Sobretudo desrespeito pela inteligência das pessoas, grande parte delas atacada por um forte surto justamente de falta de inteligência.
De modo que já vai tarde esse embate eleitoral em que as ideias foram deixadas de lado para se voltar ao tempo das trevas, em que crenças, moralismos e medos obscurantistas falaram mais alto do que a discussão verdadeira do que é melhor para o país.
Foi péssima esta campanha, o tom beligerante contaminou o dia a dia de tal forma que nos últimos tempos eu simplesmente me recusei a participar de qualquer conversa que envolvesse preferência por este ou aquele candidato.
Exemplo: sou um afortunado, tenho mais de 900 amigos na rede virtual de relacionamento Facebook. Pois nas últimas duas semanas dei um chega pra lá em pelo menos uns 20 desses parceiros virtuais. Avisei antes que iria dar um "hide" (esconder, no linguajar da rede social) os que insistissem nas grosserias e ofensas a um ou outro candidato --aqui a democracia imperou, pois houve deselegância e falta de classe nos dois lados, equilibradamente.
Mas o aviso não adiantou, as barbaridades continuaram e muita gente foi pro limbo virtual; logo mais as resgato, porque eleição passa, amigos são (ou devem ser) para sempre...
O problema é que esse tipo de clima ruim, muito ruim não se restringiu ao mundo da internet, antes fosse. Há relatos de brigas, desentendimentos e gente de relacionamento antigo que parou de se falar. Eu vi isso de corpo presente em pelo menos duas ocasiões (uma festa e uma reunião social que deveria ser amena) em que o tempo fechou, e pessoas cultas, educadas e instruídas quase foram às vias de fato simplesmente porque um gosta de vermelho e outro de azul.
Não é simples assim? Não? Ah, sim, claro, é muito mais que vermelho e azul. Mas a preferência política das pessoas, do meu ponto de vista, deve ser respeitada de maneira tranquila e equilibrada assim como respeita-se que uns gostem de vermelho, outros de azul, de roxo ou de branco. Ponto final.
Diverge-se? Dialoga-se, argumenta-se e cada um defende seu ponto de vista ci-vi-li-za-da-men-te, ok?
O que quero dizer é que a desinteligência tem imperado, seja nas peças propagandísticas que nos tentam nos convencer a acreditar em cretinices, seja na vida real, na qual o bom senso cedeu o lugar à prepotência e o diálogo sucumbiu ao palavrório dos que se arvoram de donos da verdade.
Espero sinceramente que a derrota de uns e a vitória de outros não gerem ressentimentos tais que levem este estado de espírito deletério para além destas eleições, que poderiam ter sido uma grande festa democrática, num país que segue satisfatoriamente seu caminho, mas não foram.

Luiz Caversan

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Verdades e mentiras

Encerra-se esta semana mais uma campanha eleitoral. Parece-me oportuno, portanto, fazer um comentário sobre a mentira. Como sempre ocorre nessas ocasiões, os candidatos recorreram a vários tipos de engodo. É preciso, contudo, evitar abordagens excessivamente moralistas da questão. Dilma, Serra e os demais postulantes empulham porque é da natureza humana fazê-lo. A mentira está praticamente inscrita em nosso DNA. O que nós cidadãos precisamos fazer é estabelecer a linha a partir da qual a manipulação da, vá lá, verdade deixa de ser uma característica inevitavelmente humana e torna-se motivo para não votarmos no candidato. Esse limite, é claro, varia de eleitor para eleitor, de acordo com sua estratégia de voto, preferências e do peso que atribui a cada um dos valores que o ajudam a definir seu sufrágio.
Um bom resumo do atual estágio das pesquisas sobre a mentira está em "The Liar in Your Life" (o mentiroso em sua vida), do psicólogo Robert Feldman. Como eu tentei fazer no parágrafo acima, o autor começa a obra desmistificando a mentira. Traz informações impressionantes.
Alguns estudos sugerem que bebês de apenas seis meses já simulam choro e gargalhadas para atrair a atenção dos pais. Entre os três e o sete anos, crianças já têm condições de concorrer a um cargo público: submetidas a experimentos em que se comprometem a não espiar à sorrelfa um objeto que precisam identificar, desobedecerão à regra em 82% das ocasiões. Pior, mentirão sobre isso até 95% das vezes.
O otimista poderá imaginar que, com uma mãozinha da religião e da sociedade, as coisas melhoram com o tempo. Otimistas estão na maioria das vezes errados: pesquisa feita pelo próprio Feldman mostrou que, no curso de uma conversação de meros dez minutos em que dois adultos se apresentam, eles mentem uma média de três vezes cada, podendo chegar a 12 nos casos mais extravagantes.
Tomemos um exemplo de campanha: falsificação de currículo. Uma empresa de recursos humanos de Wisconsin divulga bienalmente seu índice do mentiroso, isto é, a proporção de CVs fraudulentos que recebe para cargos de altíssima qualificação, como CEOs de grandes empresas. Em 2008, a taxa foi de 16%. Em 2000, registrou-se o pico de 23,3%. Se formos um pouco mais rigorosos e considerarmos como engodo também os exageros e não apenas títulos e honrarias totalmente inventados, o índice chega a 66%.
E a coisa pode ser ainda pior. Num de seus experimentos, Feldman demonstrou uma correlação positiva entre a capacidade de adolescentes de mentir de forma convincente e a sua popularidade na escola. De jovens populares a políticos é só um pulinho. No futuro talvez possamos substituir as caríssimas eleições pelos mais baratos e divertidos concursos de mentira. Torna-se presidente o candidato que convencer o júri de que nunca na vida mentiu.
Se você já está desistindo dos políticos e da própria raça humana, lembre-se de que não estamos sós. Do camaleão às pintas dos leopardos, a própria natureza recende a engodo. Alguns cientistas propõem que a mentira com vistas a obter posições sociais mais elevadas, muito mais do que a criação de ferramentas ou o cozimento da comida, foi a grande força a moldar a evolução humana. É a famosa hipótese da inteligência maquiavélica, defendida, entre outros, pelo primatologista Frans de Waal.
O importante aqui, contudo, não é determinar o que a mentira pôde fazer por nós, mas sim se ainda vale a pena buscar a honestidade. Como explica Feldman, existem vários tipos de inverdade. Há, para começar, as mentirinhas inocentes, como elogiar a comida da anfitriã mesmo quando ela é intragável ou dizer para a sua mulher que ela não engordou nadinha ao longo da última década. Essas são falsidades socialmente necessárias. Tato e mentira são muitas vezes palavras sinônimas.
Num grau um pouco acima, estão as mentiras de autopromoção, pelas quais tentamos nos vender para os outros e para nós mesmos sob uma luz mais favorável. Lidamos aqui nas fronteiras entre a edição e a farsa. É nessa franja que os políticos atuam. Eles mais do que ninguém querem ser bem vistos por todos. Só depois é que vêm contos do vigário com intenção fraudulenta. Essa última modalidade, embora mais rara, é a que roubou a cena. Quando falamos em mentira, é quase sempre este caso mais extremo que nos vem à mente.
E o problema basicamente é que essas fronteiras, que já não são exatamente nítidas para quem observa de fora, ficam inteiramente borradas quando somos parte do processo, seja como emissores seja como receptores da inverdade.
Como isso ocorre? De acordo com Feldman a causa primeira do embaralhamento é aquilo que ele chama Vantagem do Mentiroso, que reside basicamente em constatar que, por uma série de mecanismos neurológicos, mentir é muitas vezes vantajoso.
Destaco aqui dois desses mecanismos. O primeiro é o bom e velho autoengano. Ele faz com que o cérebro, para pacificar contradições percebidas (as chamadas dissonâncias cognitivas), reelabore a questão, conferindo pesos diferenciados aos termos. Assim, quando eu venço no pôquer, convenço-me de que sou um jogado exímio; quando perco, é porque tive muito azar.
No fundo, todo mundo quer acreditar nos falsos cumprimentos que recebe. Na verdade, uma parte do cérebro acredita, e isso gera reações químicas que provocam prazer. Mesmo o mais desafinado dos mortais se sente bem quando é elogiado por seu hipócrita professor de música. Em muitas das situações, somos cúmplices voluntários da mentira que nos contam, pois estamos sedentos para crer nela. (Deus e a religião, evidentemente, encontram-se nessa categoria).
O autoengano é fundamental para a sobrevivência. Cientistas que estudam a depressão descobriram que pessoas clinicamente deprimidas fazem uma avaliação surpreendentemente realistas de si mesmas. O fenômeno até foi batizado de realismo depressivo. Não se sabe ainda se é a depressão que leva à percepção mais acurada ou se é a visão mais realista que provoca os pensamentos deprimentes. De qualquer modo, o excesso de realismo não é lá muito saudável.
O segundo mecanismo é o viés de verdade. Por razões evolutivas, o padrão de nossos cérebros é aceitar como verdadeiras todas as declarações que nos chegam à cachola. Na maioria das vezes, elas são mesmo (ou a linguagem não faria muito sentido e jamais teria se desenvolvido), e o custo de duvidar de tudo o que nos chega aos ouvidos seria demasiado alto. Paranoia é um termo leve para descrever o indivíduo que desconfia até do bom dia que lhe damos.
Se misturarmos autoengano, viés de verdade e outras birutices de nosso cérebro, como o efeito maria vai com as outras e o respeito à autoridade, encontramos terreno mais do que fértil para a mentira, tanto as pequenas como as graúdas. Políticos, até um bocadinho mais que o comum dos mortais, exploram esses recônditos da natureza humana.
O que importa do ponto de vista do eleitor é, sem cair no udenismo fácil, diferenciar as inverdades politicamente relevantes das simples bobagens de campanha. É claro que falar é mais fácil do que fazer. OK, admitamos que currículos falsos fazem parte do jogo. Deixemos de lado, também, a matemática criativa, que torna o Orçamento flexível o bastante para atender a todos os pleitos. Nesse contexto, desconsidere, ainda, que os dois candidatos que foram para o segundo turno se intitulam economistas. Mas será que agnósticos se prostrando e comungando também são uma mentirinha inocente? E quanto a trair posições de uma vida inteira? Como eu disse no início, as respostas a essas perguntas dependem da visão de mundo de cada eleitor. Não deveria fazê-lo, mas lembro que, ao contrário do que dizem o TSE e a cartilha do politicamente correto, anular ou voto ou simplesmente fugir da urna (a multa, se não me engano, é de R$ 3,00) são opções legítimas para quem se sente sem opções.

Hélio Schwartsman

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Em carta, ex-torturada Dilma ‘afaga’ Forças Armadas



Blog de Josias de Souza

Santo Graal!



Blog de Josias de Souza

Os dividendos da bolinha de papel!

Pois bem, enquanto o PT mantém suas alfinetadas em José Serra por conta da "bolinha de papel" no Rio, o PSDB deletou a história de seu programa de TV. Sabe por quê? Porque ganhou mais pontos a versão petista de que o incidente foi uma farsa do tucano. Ou seja, o episódio, no fim, estava rendendo mais dividendos eleitorais a Dilma Rousseff do que ao tucano. Pesquisas dos dois lados mostraram essa tendência do eleitorado.
Enfim, o resultado eleitoral do incidente acabou sendo um desserviço à vida política do país. Pelo visto, valeu a pena, para sua candidata, o presidente Lula atacar o tucano José Serra por uma suposta simulação, sem fazer restrições às agressões entre petistas e tucanos. De quem governa o país, o que se espera é equilíbrio e condenações a atos de violência. Não estímulo, ao estilo líder partidário, como fez indiretamente o petista.
O fato é que as pesquisas petistas mostraram que Dilma teria crescido ainda mais nos últimos dias, abrindo uma liderança confortável em relação a José Serra. E um dos motivos desse crescimento seria o que grupos de eleitores teriam classificado como uma "vergonha", a suposta farsa de Serra.
Do lado dos tucanos, os levantamentos internos estariam indicando que a distância entre os dois candidatos é menor do que apontam os principais institutos de pesquisa. Reservadamente, porém, não negam que o episódio da "bolinha de papel" não rendeu os dividendos eleitorais esperados.
Quanto ao episódio, o fato é que, pelas imagens disponíveis, não é possível tirar conclusão definitiva. Não dá para garantir qual versão está correta. Se a da simples "bolinha de papel" quicando levemente na cabeça de Serra ou a de uma fita crepe que teria causado maior impacto no tucano. Do ponto de vista visual, a cena da bolinha de papel tem mais apelo e serve mais ao jogo eleitoral. A da fita crepe não tem a qualidade da outra.
O problema é exatamente esse. A discussão parece ter ficado restrita à bolinha de papel e à fita crepe. Tudo o que aconteceu em volta, de repente, parece ter desaparecido, não ter existido: os empurrões, agressões, as disputas físicas entre militantes petistas e tucanos, um belo mau exemplo de campanha eleitoral. Sem condenações daqueles que deveriam dar o bom exemplo.
O fato é que, no momento, os tucanos estão em busca de um fato capaz de propiciar uma virada na reta final da campanha, que termina no próximo domingo. A mudança de humor no final do primeiro turno, frustrando as expectativas petistas de liquidar antecipadamente a eleição, indica cautela em qualquer análise. As próximas pesquisas darão o caminho da tendência do voto. Daqui até o final da eleição, teremos praticamente uma pesquisa por dia. A conferir.

Contagem regressiva

A cinco dias da eleição, a pesquisa Datafolha cristaliza a diferença de Serra e Dilma em 12 pontos dos votos válidos e assim define virtualmente o segundo turno no próximo domingo. Serra não tem armas para lutar por mais votos, nem espaço no eleitorado para crescer e virar a eleição.
Lula, Dilma, o governo, o PT e seus aliados levaram um susto com o resultado do primeiro turno, no dia 3, depois de atravessar meses cantando vitória - e uma vitória que esperavam acachapante. Mas, desde o início, as condições têm sido mais favoráveis a Dilma, apesar das vantagens objetivas do candidato Serra.
Com seus 80% de popularidade, e uma gestão bem avaliada, Lula inventou a candidatura Dilma, passou dois anos empenhado em fazê-la conhecida nacionalmente e não teve pudor em colocar a administração direta, as estatais e todos os meios, maquiavelicamente, para eleger a sucessora. Não poupou nem mesmo o próprio cargo de presidente.
Serra lucrou bravamente, a bordo de seu currículo exemplar de ex-presidente da UNE, 14 anos de exílio, deputado federal, senador, prefeito de São Paulo, governador do Estado mais poderoso do país. Mas não tinha arsenal político e estratégico para enfrentar o canhão Lula e seu exército.
Na reta final, quando Dilma surgia com a cara inchada e parecendo descomposta pelo baque de não chegar nem a 47% no primeiro turno, os tucanos animaram-se com a perspectiva de virada. Mas Lula e Dilma multiplicaram a campanha petista por dois, um para um lado, outro para outro. E conseguiram imagens muito fortes para o programa eleitoral. Uma delas foi a reunião com os artistas no Rio, à frente Chico Buarque. Conseguiram dois efeitos: seguraram a sangria e impediram que os votos de Marina migrassem para o tucano.
Em cinco dias, não há mágica, nem eleitor sobrando para uma virada pró-Serra, mesmo com a perspectiva de que ele tenha melhor desempenho no principal debate de toda a campanha, o da TV Globo, na sexta-feira à noite. Isso pode reforçar a imagem positiva para o pós-campanha, mas, por si só, não é capaz de reverter o quadro.
A eleição, portanto, caminha para a eleição da primeira mulher presidente no Brasil. Ou, na prática, para um terceiro mandato de Lula. A ver.

Eliane Cantanhêde

Nanodiamantes no gelo imemorial

"Diamantes no gelo" poderia ser o título de um poema que se estendesse sobre as artes da camuflagem e da dissimulação. Como aqui se trata de prosa dura e fria, a que convém à apresentação da ciência, que o leitor se conforme com o enigmático "Nanodiamantes no gelo imemorial".
Mesmo retendo no núcleo um eco esquálido do original sonoro, o título desta coluna descreve bem o trabalho que a equipe de Andrei Kurbatov e Paul Mayewski, da Universidade do Maine, acaba de publicar no periódico especializado "Journal of Glaciology". (Agradeço a Jefferson Cardia Simões, companheiro de jornada antártica e pesquisador visitante do Instituto de Mudança Climática daquela universidade, por chamar a atenção para o artigo.)
O grupo encontrou em amostras de gelo com 13 mil anos, na Groenlândia, uma nítida camada pontilhada de diamantes de tamanho nanoscópico. Cada um tem 2 a 40 nanômetros de diâmetro (um nanômetro corresponde a um bilionésimo de metro, ou milionésimo de milímetro --medidas muito pequenas, enfim).
É a primeira vez na história da glaciologia que esse tipo de diamante aparece no gelo. E a melhor explicação para sua presença ali está no impacto de um grande cometa ou asteroide com a Terra.
Esse tipo de diamante, que já foi encontrado em vários pontos da América do Norte, mas só em terra, normalmente não se forma pelos processos conhecidos na face da Terra. Não aparecem em minas e jazidas, por exemplo.
Só em laboratório, sob temperaturas na faixa de 1.000-1.700ºC e alta pressão, foi possível obtê-los. São condições como as que se acredita terem sido produzidas no impacto de um grande objeto sideral contra a Terra.
Uma variedade desses nanodiamantes recebe o bonito nome de "lonsdaleíta". É uma homenagem a Kathleen Lonsdale (1903-1971), cristalógrafa britânica que estudou diamantes artificiais nos anos 1940. O "seu" diamante, de estrutura hexagonal, é encontrado em sítios de queda de meteoritos no Arizona.
A descoberta desses nanodiamantes em outros locais da América do Norte, nem sempre associados com pontos de impacto, mas sempre em camadas datadas de aproximadamente 13 mil anos atrás, levou à hipótese testada pelo pessoal do Maine: se essa camada é uma assinatura em terra do choque de um grande objeto, não deveria estar presente também nas profundezas do gelo?
A verificação da tese foi possível graças a um truque, que teve a função de contornar a dificuldade de obter grandes amostras de gelo glacial, em geral reservadas para o estudo de mudanças passadas do clima planetário. O estratagema empregado foi recorrer a geleiras da borda da Groenlândia, cujo desgaste expõe gelo formado pela progressiva compressão da neve precipitada há milhares de anos.
A datação de 13 mil anos da camada "nanodiamântica" e do provável impacto pode ser muito significativa. Não só porque ela marca o fim da Idade do Gelo e o início da nossa época geológica, o Holoceno, mas porque nesse período coisas importantes estavam ocorrendo na América do Norte.
Por exemplo, o desaparecimento da chamada cultura Clóvis, até pouco tempo atrás dada como a mais antiga em solo americano. Mais ou menos por aí também sumiram da América grandes animais que a povoavam, entre os quais havia até mamutes.
Além disso, há indicações de que o continente experimentou gigantescos incêndios naturais e, ao mesmo tempo, um resfriamento do clima. Ambos os fenômenos podem ser desencadeados pelo impacto de cometas e asteroides, que liberam grande quantidade de energia e depois levantam uma camada de poeira capaz de bloquear a luz do sol.
Os nanodiamantes são prováveis testemunhas mudas e insignificantes desse cataclismo. Dormiam esquecidos no gelo imemorial da Groenlândia. Voltaram a brilhar, agora sob a luz do conhecimento.

Marcelo Leite

domingo, 24 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Dá para piorar

Hoje eu pretendia regalar o leitor com um comentário acerca das bases neurológicas do dualismo, mas, como estamos a menos de duas semanas da eleição, optei por guardar o libelo anticartesiano para uma ocasião mais tranquila e abordar um tema de maior densidade política. Juro, entretanto, que não vou falar de madre Dilma e são Serra, dos quais o leitor já deve estar saturado. O ponto que eu gostaria de discutir é mais profundo.
A democracia brasileira já fez notáveis avanços. O mais importante deles é que ela vem existindo sem interrupções há um quarto de século. Não é muito, mas mesmo as mais vetustas democracias do planeta tiveram de completar seus primeiros 25 anos. Igualmente importante, nesse período experimentamos uma real alternância de poder, que se deu sem traumas ou problemas, ao contrário do que prognosticavam setores influentes. Ainda que aos trancos, instituições se fortaleceram.
Há, é claro, muito mais por fazer. E já nem menciono o megarretrocesso que foi a canonização do pleito na reta final. Um dos problemas a meu ver mais gritantes é que, no plano institucional, o cidadão continua a ser tratado como um débil mental, que precisa ser protegido de si mesmo e tutelado pelo Estado.
O sintoma paroxístico dessa incongruência é a obrigatoriedade do voto. É absurda a ideia de que eu possa escolher, por sufrágio, as principais autoridades do Executivo e os membros do Parlamento, que escreverão e aplicarão as leis do país, mas seja considerado incapaz de decidir por mim mesmo se devo ou não comparecer às urnas. Um pequeno incômodo bienal em troca de uma democracia verdadeiramente representativa, dizem os patronos da medida. Discordo. O que está em jogo aqui são os próprios pressupostos da República: o Estado contemporâneo existe para servir ao cidadão, não o cidadão para servir ao Estado --pelo menos é o que defendo.
De toda maneira, esse está longe de ser o único caso de inversão de valores. Se há um vício que há muito corrói e onera a sociedade é o do corporativismo. Na semana passada, foi divulgada uma boa notícia: entre julho e agosto deste ano, os divórcios no Estado de São Paulo aumentaram 149% contra igual período do ano anterior. Calma, eu não sou um inimigo da família --embora esteja ficando, de tanto que ouvi falar em "valores cristãos" nas últimas semanas. O fenômeno ocorre porque, após a promulgação em julho da emenda constitucional que simplificou o processo, ficou bem mais fácil e barato para casais que já estavam separados regularizar sua situação. Ótimo. Somos todos contra a burocracia desnecessária. Só que essa não é a história inteira.
Além da já referida emenda constitucional, responde pelo aumento dos divórcios o projeto de lei 6.416, aprovado em 2007, e que simplificou as separações consensuais de casais sem filhos menores, dispensando-as de passar pelo crivo do Judiciário. Desde então, basta um registro público em cartório para consolidar a dissolução do matrimônio. (Podemos é claro nos perguntar por que diabos alguns ainda insistem em informar o Estado de que pretendem viver juntos, mas essa é uma outra questão).
Só que o PL 6.416 original era muito melhor e foi piorado pelo lobby da toga. Por intermédio do deputado e advogado Maurício Rands (PT-PE), a república dos bacharéis conseguiu introduzir uma emenda que obrigou as partes a contratarem os serviços de um advogado. Com isso, a separação se tornou um pouco menos simples e mais cara. Na verdade, bem mais cara. Em São Paulo, um advogado cobra, de acordo com a tabela da OAB, um valor mínimo de R$ 1.333,38 --e ainda pode levar 6% dos bens a repartir-- apenas para vistar a papelada. É claro que os cartórios não registram a separação sem o visto do causídico.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a coragem de vetar essa excrescência, de modo que o projeto acabou sendo aprovado com a alteração ditada pelo lobby da OAB. No mínimo, a norma viola o princípio da razão suficiente: se não é necessário consultar um advogado para casar-se, tampouco deve ser obrigatório ouvir um na hora de dissolver a união por comum acordo. Mas é melhor eu parar antes que alguém tenha a ideia de fazer uma lei tornando necessária a presença de advogados em altares e dosséis.
Diga-se em favor dos advogados que colocar os interesses da categoria à frente dos da população não é exclusividade sua. Na mesma senda caminham notários, médicos, jornalistas, políticos. Prova o que eu digo a PEC dos cartórios, o projeto de lei do ato médico, a PEC do diploma de jornalista e, no caso dos políticos, quase tudo o que o Parlamento aprova.
Infelizmente, o Brasil é o país das corporações. Indivíduos e categorias profissionais, em vez de firmar-se pela excelência dos serviços que oferecem, preferem pegar uma carona no autoritarismo estatal para tornar sua atividade exclusiva quando não obrigatória.
Duvida? Tramitam no Congresso Nacional projetos que regulamentam, entre outras, as profissões de modelo de passarela (PL 4983/09), designer de interiores (PL 4525/08), detetives (25 PLs diferentes), babás (PL 1385/07), escritores (PL 3034/92), demonstrador de mercadorias (PL 5451/09), cerimonialista (PL 5425/09, cerimonialista (PL 5425/09), educador social (PL 5346/09), fotógrafo (PL 5187/09), depilador (PL 4771/09). Já resvalando no reino da fantasia, busca-se também regulamentar a ocupação de astrólogo (PL 6748/02) e terapeuta naturista (PL 2916/92).
O problema é que qualquer grupo que tenha um mínimo de organização obtém sucesso senão em todos os pleitos ao menos em parte deles. O resultado é uma miríade de leis e regulamentos que, afora atender às demandas corporativas, só servem para frustrar direitos e dificultar a vida.
Estas são algumas das questões que eu gostaria de ver discutidas na campanha eleitoral: Que tipo de Estado os brasileiros desejam? Quanto estão dispostos a pagar em impostos para obtê-lo? E de quanta autonomia vão querer abrir mão? É factível, razoável ou desejável que o Estado proíba um cidadão de usar drogas ou praticar aborto? Qual é o núcleo de direitos fundamentais que estão protegidos até mesmo de legisladores?
São essas as questões que os candidatos não discutem, pois isso implicaria revelar os setores que sairiam perdendo. E, para não perder votos, eles estão dispostos a ajoelhar-se, comungar e, mais grave, renegar as ideias que muito razoavelmente defenderam no passado. Estava errado o Tiririca: dá, sim, para piorar.

Hélio Schwartsman

Sob a névoa do lulismo

O sucesso do lulismo, a personificação dos avanços do Brasil na figura do presidente, esconde um fenômeno mais duradouro, importante e positivo: o apoio popular à estabilidade econômica.
Mais do que a mágica do presidente, é esse apoio à manutenção do modelo econômico que está dando a vitória a Dilma.
A estabilidade dos anos FHC-Lula foi o maior valor agregado à nossa economia desde a Revolução Industrial de Getúlio Vargas. Ela melhorou a vida dos brasileiros em todos os níveis da pirâmide social.
A estonteante aprovação de Lula se deve primordialmente à manutenção da estabilidade econômica. Foi isso, inclusive, que lhe permitiu aumentar o salário mínimo e canalizar recursos aos programas sociais.
Uma vitória de Dilma Rousseff será o último grande (enorme!) troféu de Lula. Mas é o apoio popular à estabilidade que garante votos decisivos a ela.
A maior parte do eleitorado vê a continuidade econômica mais em Dilma do que em Serra. O Datafolha perguntou aos eleitores (em 14 e 15 de outubro): Quem é mais preparado (a) para ser presidente? 49% disseram Serra, 39% disseram Dilma; embora a pesquisa de intenção de voto apontasse Dilma à frente - 47% a 41%. A maioria dos eleitores ainda disse achar Serra mais experiente e inteligente do que Dilma.
Mas ela ganhava em três atributos decisivos: manutenção da estabilidade econômica, combate ao desemprego, defesa dos pobres.
Famílias de baixa renda, a maior fatia do eleitorado, que antes lutavam todo fim de mês para fechar as contas com a inflação de 30%, agora vão ao paraíso das compras em 30 vezes, do carro no portão, do registro na carteira, da confiança no futuro, da viagem de avião.
Não é o aborto, não é a corrupção, não é a privatização ou a estatização. É a manutenção do país no trilho da estabilidade, o consenso fechado por Lula em torno da economia de mercado que anulou a letalidade da esquerda quando ela chegou ao poder.
O momento histórico de Lula já está passando. E o fim da Era Lula está muito mais ligado ao que veio antes (anos FHC) do que ao que virá depois. O intelectual e o operário, inteligentemente eleitos por uma população pouco educada, foram expoentes máximos dos seus movimentos políticos, os pais fundadores do novo Brasil. Um complementou o outro, e chegamos até aqui.
Nosso maior ativo é a estabilidade. Não se iluda pela névoa do lulismo: é ela (ou o apoio ao candidato que a defende melhor) que está definindo a eleição.

Sérgio Malbergier

domingo, 17 de outubro de 2010

Monsenhor Serra X Dilma D'Arc



Blog de Josias de Souza

Eco-oportunismo!



Blog de Josias de Souza

Serra e o segredo do Bolsa Família

Muita gente vai jurar que é mentira o que vou contar hoje, mas posso assegurar que é verdade. Por trás dela, o maior erro de comunicação da histórica do PSDB -- e, em parte, explica o desempenho nas pesquisas de Lula e de sua candidata, Dilma Rousseff.
Ainda no final do governo Fernando Henrique Cardoso, o então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, hoje secretário estadual da Educação, tinha proposto ao Palácio do Planalto uma campanha massiva mostrando como a bolsa-escola (a origem da Bolsa Família) chegava a milhões de famílias. Por trás da campanha, uma intenção: Paulo Renato queria ser candidato a presidente e buscava a aprovação do governo e do partido. Via-se claramente o impacto desse programa, na época chamado pelo PT de bolsa-esmola. Vou além: o PT, no Congresso, dificultou a aprovação do projeto, basta ir nos anais das comissões para comprovar o que estou falando.
O secreto dessa história é o seguinte. O então ministro da Saúde, José Serra, também candidato, não queria adversários e, com seus sólidos contatos palacianos, conseguiu vetar a campanha. Serra, como se sabe, saiu candidato e pouco se usou, na época, a bandeira da bolsa-escola.
Não sei se FHC participou ou soube da decisão. Se não sabe, sugiro que pergunte a seus assessores e vai conhecer a verdade. O que sei é que ele se lamenta (e muito) não ter dado visibilidade a seus programas de renda mínima. Aliás, ele diz que é seu maior erro de comunicação.
O fato é que a campanha não saiu, e o PSDB deixou de atar sua imagem a uma ação que, em larga medida, foi faturada por Lula.
Agora, ironicamente, Serra corre atrás do prejuízo e tenta se apresentar mais pai do Bolsa Família do que o próprio Lula. Pelas pesquisas, vemos que, sem essas ações, Dilma teria muito mais dificuldade de se eleger.
Nessa história toda, a verdade é que a bolsa-escola ganhou o país porque foi lançado, em pequena escala, por Cristovam Buarque, então governador de Brasília, e pelo prefeito de Campinas, José Roberto Teixeira. Virou política pública porque o falecido Antônio Carlos Magalhães criou um fundo de combate à pobreza, que fez com que Paulo Renato pudesse disseminar em todo o país o programa.

Gilberto Dimenstein

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O dia mais importante do Brasil

Comemora-se nesta semana o dia do professor. Esse deveria ser o dia mais importante da nação pela simples razão de que sem bons professores a democracia sempre será precária e a chance de crescimento econômico e distribuição de renda, precária. Em síntese, não há nação civilizada sem boa escola pública.
Daí que um dos grandes desafios brasileiros é atrair talentos para a função de magistério, especialmente nas escolas públicas. O que significa, antes de mais nada, um salário inicial sedutor, boas condições de trabalho, treinamento constante e reconhecimento do mérito. As faculdades que formam professores terão de mudar para ser focadas mais na prática do que na teoria.
Atualmente, pouca coisa atrai: a violência é cotidiana, a infraestrutura, precária, os salários são baixos. Não é à toa que tantos professores ficam doentes. Não é possível ensinar direito com tantos alunos por sala de aula. E sempre que outros níveis de governo atuem na escola - saúde e assistência social.
Por causa disso, olho com desconfiança os governos, que não investem na educação com deveriam. E também olho com desconfiança muitas reivindicações corporativas, que colocam interesses da categoria acima dos interesses dos alunos. Não podemos deixar o tema da educação nas mãos dos governantes e dos sindicatos.
A boa novidade, como está mostrando essa eleição, é que o pais está cada vez mais interessado em saber o que ocorre na sala de aula.

Por isso, o Dia do Professor deveria ser o dia mais importante do país.

Gilberto Dimenstein

O Nordeste elegerá Dilma?

Hoje, aponta o Datafolha, o Nordeste é quem elege Dilma Rousseff presidente do Brasil. É onde a magia de Lula mais funciona. Filho pródigo dessa terra injusta, ele olhou para a região com os olhos inéditos de um retirante que se fez rei na metrópole e voltou para socorrer o seu povo. Messiânico, quase, como quer a tropicalizada mitologia lulista.
A política de fortalecer o salário mínimo, pilar do lulismo, com aumento real de 50% desde 2005, foi um soro na veia nordestina que agora rende frutos eleitorais formidáveis. Assim como os programas de transferência de renda. E os recordes de arrecadação e carga tributária, canalizados para a região.
Mas a renda do Nordeste ainda é a menor do país, e a taxa de analfabetismo funcional, a maior. Há progressos: a renda melhorou mais do que na média nacional. E heranças malditas: mais de 40% da população acima de 50 anos é analfabeta.
É possível enxergar justiça democrática no fato de o Nordeste, a região mais carente e abusada do Brasil, hoje decidir, no voto, o destino do país (ou melhor, a sucessão presidencial). E um "downside" horroroso: o eleitor menos escolarizado decide.
Os nordestinos, de qualquer forma (e cabe aqui um "disclaimer": sou um deles), estão aproveitando cada momento. Começando pelo próprio Lula, que transbordava até o segundo turno alegria e humor típicos da região, e acabando em Tiririca, eleito justamente por São Paulo deputado federal mais votado do país.
Uma São Paulo que já sente a falta desses valentes trabalhadores. O fluxo migratório Nordeste-Sudeste caiu pela metade em relação ao pico dos anos 1990. Sobram vagas nos supermercados, na construção civil, nos domicílios. Vamos precisar de mais bolivianos.
Uma gaúcha de raízes búlgaras ou um paulista italiano, o(a) próximo(a) presidente do Brasil encontrará o Nordeste ainda muito fraco, mas ao menos com auto-estima suficiente para começar o tratamento.
Tratá-lo bem renderá, como vemos, muitos frutos.

Sérgio Malbergier

Uma parábola cristã

Sim, de fato é um milagre: os religiosos conseguiram introduzir Deus no debate eleitoral, mesmo que Ele não tenha comparecido à votação presidencial. Pesquisa Datafolha publicada na segunda-feira mostrou que o escândalo envolvendo a substituta de Dilma Rousseff na Casa Civil custou mais votos à candidata do que a questão do aborto. Além disso, uma matéria feita pela Érica Fraga e por mim --que por algum mistério permanece inédita--, em que analisamos o desempenho dos candidatos nas 700 cidades mais evangélicas do Brasil, sugere que não existe vinculação forte entre a religiosidade e o voto majoritário. Na verdade, Dilma se sai até um pouquinho melhor nesses municípios mais evangélicos do que no conjunto do país.
De toda maneira, se há algo a que não me furto é o debate religioso. E os fiéis pegaram no meu pé porque, na minha coluna da semana passada, citei um trecho do Deuteronômio 22:22-24 que determina o apedrejamento de adúlteros. Rapidamente, vários missivistas se puseram a explicar que o próprio Cristo "revogou" a ordem no célebre episódio narrado em João 8:5-11 em que ele salva a mulher infiel desafiando: "Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra".
Primeiro uma observação relativa a interpretação de textos. Jamais afirmei que era dever do bom cristão lapidar aqueles que desposam visões menos ortodoxas do casamento. O que eu quis dizer e reafirmo é que códigos religiosos em geral e a Bíblia em particular estão repletos de passagens que, dependendo de como são lidas, justificam as piores violências.
Muito bem, admitamos que o próprio filho unigênito de Deus perdoou os adúlteros. Mas, ao que consta, não há revogação à ordem para assassinar quem adore outros deuses (Deuteronômio 13:7-11), para lançar contra as rochas os filhinhos de nossos inimigos (Salmo 137), à autorização para, em caso de apuros financeiros, vender nossas filhas como escravas (Êxodo21:7), ou ao trecho que ensina que a punição justa para quem zomba de carecas é a morte (2 Reis 2:23-24).
OK. Tudo isso é o Antigo Testamento (AT). O Novo (NT), que é o que vale para o verdadeiro cristão, traz apenas mensagens de amor ao próximo. Será? É claro que as características menos agradáveis da personalidade de Iahweh desaparecem no NT. Aliás, é o próprio Iahweh quem quase desaparece desses escritos. Mas, mesmo assim, o doce Jesus, em João 15:6, promete o fogo para quem "não permanecer em mim".
No mais, é preciso avaliar melhor essa separação entre AT e NT. Se o último revogou mesmo o primeiro, por que diabos praticamente todas as religiões cristãs conservam o AT entre seus textos canônicos? Teria sido muito mais fácil fazer como os políticos e mandar apagar o passado, ficando só com a parte que interessa. Não o fizeram porque a história, como a vida, é mais complexa do que exigem nossos modelos mentais. Embora num dado momento tenha interessado ao cristianismo afirmar uma ruptura com a tradição anterior, o judaísmo, esse não foi um movimento inequívoco e nem mesmo uniforme.
Para começar, o Jesus histórico --vamos aqui dar de barato que ele existiu, isto é, que a figura descrita nos Evangelhos se inspire num único personagem real e não seja um amálgama de vários profetas e pregadores-- jamais se pretendeu mais do que um bom rapaz judeu. Jesus fazia-se chamar de "Rabbi" (rabino) e jamais contestou os fundamentos da lei mosaica ou da Torah, a Bíblia hebraica. Mesmo do ponto de vista da ortodoxia judaica, nada do que Jesus fez ou disse podia ser considerado herético.O episódio da mulher adúltera, antes de constituir uma revogação da ordem anterior, é um truque inteligente para obter pela retórica sua libertação sem ter de ir expressamente contra a lei escrita.
Mesmo depois da morte de Jesus, seus partidários, liderados por Tiago, seu irmão, e por Pedro, o apóstolo, se diziam plenamente judeus, constituindo mais uma das inúmeras seitas de então. Eram conhecidos por vários nomes como nazarenos, ebionitas, Seguidores do Caminho, Filhos da Luz e galileus. O termo cristãos só aparece um pouco mais tarde, no meio do século 1º e na Antioquia (Síria).
Quem primeiro esboça uma ruptura é outro judeu: Paulo de Tarso. Também conhecido por seu nome hebraico Saulo, ele era um judeu da diáspora. Nascera na cidade de Tarso, na Cilícia (hoje Turquia), era filho de um cidadão romano e falava o grego. Diferentemente de Tiago, Pedro e dos nazarenos, Paulo pregava para não judeus: gregos, egípcios, romanos e persas --o que, como veremos, fez toda a diferença.
Dizem que Paulo converteu-se ao cristianismo após uma visão na estrada para Damasco. Quanto a isso, eu não sei, mas sei que o homem tinha uma excelente cabeça para o marketing, no que era muito competente. Experimente trazer alguém para uma religião exigindo que o candidato a fiel renuncie radicalmente a todas as suas crenças anteriores, se automutile numa parte que costuma ser cara aos homens e pare de comer as comidas que sempre apreciou. Difícil? Paulo também achou. A fim de tornar o judaísmo cristão mais palatável para os gentios, foi procedendo a uma série de modificações. Era preciso acabar com algumas especificidades do judaísmo que o tornavam uma religião pouco vendável, como a circuncisão, as proibições alimentares e até sua intolerância para com outros credos.
Foi assim que o hoje santo proclamou que a antiga aliança (a lei mosaica) havia sido substituída pela nova, cujas exigências não eram tão draconianas. Arrumaram até um espaço até para o culto a Maria, a mãe virgem de Deus. A ideia pareceria estranha a judeus de Israel, criados numa forte tradição anicônica e anti-idólatra, mas era absolutamente essencial para trazer novos fiéis vindos de religiões repletas de adorações a deusas, virgens e não virgens.
Paulo, com seu notável senso de marketing, dera o passo fundamental para tornar o cristianismo uma religião com pretensões universais, mas, inopinadamente, também estabelecera a linha que um pouco mais tarde separaria judeus e cristãos definitivamente, lançando as bases das fogueiras da inquisição espanhola e dos "pogroms" russos (o nazismo usa o antissemitismo racial e não o religioso, o que configura um caso um pouco diferente).
As pequenas diferenças teológicas estabelecidas por Paulo logo deram lugar a disputas cristológicas mais pesadas que, dentro em breve, degenerariam em forte rivalidade política. Vieram a guerra contra os romanos (66-70) e a destruição do Templo de Jerusalém. Foi um golpe decisivo. O grupo dos judeus cristãos foi duramente perseguido pelas autoridades e quase dizimado. Já os cristãos das comunidades fundadas por Paulo, na diáspora e mais integrados ao império, sobreviveram para contar a história. Foram eles que escreveram os Evangelhos canônicos, que já nascem sob o signo do antijudaísmo. Excluir inteiramente o AT, é claro, teria sido complicado. Em primeiro lugar, para converter Cristo no messias era preciso conservar as profecias do AT que falam no prometido. Além disso, Jesus, como todo bom pregador, não parava de citar a Bíblia hebraica. Eliminá-la da história, portanto, resultaria num enredo pouco compreensível. Tal ambiguidade acabou reforçando a necessidade de os cristãos se diferenciarem política e teologicamente dos judeus e aprofundou a rivalidade entre cristãos paulinos e os grupos de cristãos judaizantes remanescentes.
Religião e política, como se vê na própria história do cristianismo, andam juntas. Isso, é claro, não precisa ser um problema. Na verdade, seria simplesmente impossível pedir às pessoas que não levassem em conta seus valores (às vezes amparados em ensinamentos teológicos) na hora de fazer suas escolhas. As dificuldades aparecem é quando a lógica religiosa, que opera com absolutos morais, se impõe sem filtros, liquidando mecanismos mais mundanos de negociação política. É claro que o fanatismo ocorre também em contextos não religiosos. A capacidade humana de aferrar-se a ideias em geral tolas já é maior do que o desejável, mas, quando o sujeito acredita ter Deus e a verdade a seu lado, ele se supera em intolerância e matanças.
O pequeno "aggiornamento" teológico-litúrgico promovido por Paulo, que afirmou o cristianismo como algo distinto do judaísmo, converteu-se, num espaço de poucos séculos, devido ao contexto político, nas "Homilias contra os Judeus", onde João Crisóstomo (349-407), nome que em grego significa "boca de ouro", escreve coisas como: "Os judeus sacrificam suas crianças a Satã... eles são piores do que bestas selvagens. A sinagoga é um bordel, um buraco da escória, um templo de demônios devotados a cultos idólatras, uma assembleia criminosa de judeus, um ponto de encontro dos assassinos de Cristo, uma casa de má fama, um abrigo de iniquidades, um abismo de perdição".
Em outra passagem picante, Crisóstomo, que não era absolutamente um caso isolado de antissemitismo, escreveu: "Os judeus caíram para uma condição inferior à do mais vil dos animais. Depravação e embriaguez os trouxeram para o nível do bode luxuriento e do porco. Eles só sabem uma coisa: satisfazer seus estômagos, ficar bêbados, matar e bater uns nos outros como vilões e cocheiros".
Em tempo, Crisóstomo foi sagrado santo pelas Igrejas Católica e Ortodoxa.
Não creio que a democracia brasileira ou o Estado laico estejam ameaçados, mas seria bom se pudéssemos manter lógicas absolutistas que favorecem o fanatismo longe da política. Só por precaução.
PS - Como alguns leitores me fizeram perguntas sobre o aborto, deixo os links para a "trilogia" acerca do tema que escrevi este ano.

* Abortando o problema
* Abortando o problema 2, a curetagem
* Abortando o problema 3, o epílogo

Hélio Schwartsman

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dilma vira Dilma

Eis que surge, no segundo turno, a Dilma Rousseff mais autêntica. A Dilma que partiu para o ataque direto contra o tucano José Serra, no debate da Band, é mais ela mesma. A outra Dilma, contida, dosando as palavras, treinada à exaustão pelo marketing, era uma versão desacelerada da ex-ministra da Casa Civil, quase um arremedo dela.
A petista não tinha outra saída. Precisava sair da defensiva em que se encontrava. Foi para uma zona de risco, calculada, mas com perigos à frente. Se vencer, poderá dizer que ganhou sendo ela mesma. Se perder, ficará com boa parte da responsabilidade pela derrota.
O fato é que a Dilma produto do marketing cumpriu seu papel. Dentro do roteiro traçado pelo marqueteiro João Santana, a petista deixou de ser uma desconhecida, saiu de quase traço nas pesquisas e terminou o primeiro turno com 47% dos votos. Só que faltou gás no final. Parte do eleitorado, necessária para a vitória, ficou desconfiada. Mudou de lado na reta final. Reconquistar esse grupo, na avaliação da candidata, demanda mais exposição, mais autenticidade, mais dela mesma para gerar confiança.
Entramos, então, no cenário ideal imaginado pelos tucanos desde o início da disputa. Os aliados de José Serra sempre contaram que o estilo de Dilma a derrotaria, deixando exposto seu lado agressivo, assustando o eleitorado. Durante o primeiro turno, isso não aconteceu. Prevaleceu a "Dilminha paz e amor", bem treinada pelo marketing, sem escorregões nos debates. Agora, ninguém sabe exatamente os efeitos da mudança de tática do lado petista.
Daí ser grande a expectativa entre tucanos e petistas a respeito do resultado das próximas pesquisas de intenção de voto. Todos institutos têm programados levantamentos para essa semana. A conferir.

Lula e a nova Dilma

O presidente Lula aprovou o desempenho de Dilma no debate da Band. Avalia que a candidata foi ela mesma, saiu da defensiva e surpreendeu o adversário José Serra. O próprio Lula, porém, foi um dos responsáveis pela criação da versão "Dilminha paz e amor". Durante a campanha, mais de uma vez, aconselhou sua candidata a seguir a cartilha do marqueteiro João Santana. Agora, surge como aquele que defende a mudança de tom da candidata.
O fato é que o presidente sentiu que Dilma precisava ser mais ela mesma somente no final do primeiro turno, depois de ouvir críticas principalmente vindas de governadores eleitos. Aliados que sentiram falta de política na campanha petista, classificada por eles de despolitizada e insossa.
Se as próximas pesquisas mostrarem que a tendência de queda de Dilma permanece e o cenário eleitoral mostre um empate entre as duas candidaturas, será interessante aguardar a avaliação presidencial sobre o quadro da campanha.

Valdo Cruz

Dia das Crianças!



Blog de Josias de Souza

domingo, 10 de outubro de 2010

Santinhos!



Blog de Josias de Souza

SaPaTaria!



Blog de Josias de Souza

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Amor coletivo!



Blog de Josias de Souza

Deixem o palhaço legislar

Tiririca é o novo herói nacional. A expressão mais raivosa e consistente do voto de protesto contra o corpo político brasileiro. Que a Justiça esteja já acionada para cassá-lo por suposto analfabetismo revela como o palhaço/deputado federal mais votado do país ameaça o sistema. O deboche e o humor são armas poderosas.
E que boa piada: uma Justiça sem dentes para barrar os eternos abutres da política afia suas garras diante do palhaço nordestino que, como nosso consagrado presidente, veio de muito baixo na pirâmide social para afirmar-se de forma retumbante em São Paulo.
Quem conhece e representa melhor o Brasil profundo do que o palhaço Tiririca hoje na política? Só Lula. Que elitismo suspeito esse preconceito contra o suposto analfabetismo do palhaço. Quem melhor que um analfabeto ou semi-analfabeto para representar os milhões de mal educados do país? Analfabeto não é incapaz nem criminoso para ter direitos políticos limitados. Muito pelo contrário, é vítima da má gestão desta obrigação pública mais básica que é a educação.
Se a Wikipédia está certa, o palhaço Tiririca começou a vida no circo aos 8 anos, em Itapipoca, no Ceará, e estourou regionalmente com a música "Florentina", que a Sony Music tornou megahit nacional em 1996.
Ele já teve problemas com a lei naquela época por causa da música "Veja os Cabelos Dela", que lhe rendeu uma acusação de racismo, da qual foi inocentado. A letra, puro Tiririca, dizia: "Veja, veja, veja, veja, veja os cabelos dela/Parece bombril, de ariá panela/Parece bombril, de ariá panela/Quando ela passa, me chama atenção/Mas os seus cabelos, não tem jeito não/A sua caatinga quase me desmaiou/Olha eu não aguento, é grande o seu fedor".

Uau!

A singeleza sempre foi seu atributo. Os jingles e os spots de sua campanha, feitos de forma despretensiosa por amigos humoristas, devem ser estudados pelos caríssimos marqueteiros de plantão. São a maior lição de marketing político desta campanha.
Dançando daquele jeito nordestino, o palhaço canta meio preguiçoso: "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto", ou "Pior do que tá não fica, vote Tiririca". Bingo!
Os mais de 1,3 milhão de votos que Tiririca teve em São Paulo não podem ser desclassificados por essa Justiça incapaz de julgar os que deveriam ser julgados e que ainda por cima pode barrar a melhor notícia desta eleição: a lei da ficha limpa.
Deixem Tiririca legislar. Queremos vê-lo dançando no tapete do Congresso e discursando daquele jeito engraçado no microfone do plenário. Estará, legitimamente, representando muita gente. Dos que enfrentam as mesmas dificuldades e preconceitos que ele enfrentou e enfrenta aos que acham que a política brasileira é uma grande piada.

Sérgio Malbergier

Quanta ignorância, meu Deus

Uma indicação do perigo de colocar a fé acima da ciência é que, nessa eleição, aproveitando a polêmica do aborto, começaram a atacar a pílula do dia seguinte, acusando-a de abortiva. Lembro que esse medicamento tem ajudado comprovadamente a evitar abortos.
As pesquisas disponíveis indicam, em síntese, que a pílula retarda a ovulação e/ou dificulta que o espermatozóide chegue até o óvulo. Isso é abortivo? Se for, pílula anticoncepcional também é abortiva.
Não, claro, mas do jeito histérico que está esse debate - a tal ponto que Dilma e Serra fazem pose de cristãos, obedientes aos mandamentos divinos -, corremos o risco de impedir a disseminação da distribuição da pílula do dia seguinte nos postos de saúde. Diga-se que essa política é acertadamente feita pelo PT e PSDB.
Volto a dizer que se tivéssemos nos rendido a preceitos religiosos não haveria distribuição gratuita nem de camisinhas nem de pílulas anticoncepcionais. O custo seriam mais abortos.
Se os políticos não tiverem coragem de deixar essas questões nas mãos da saúde pública, vamos pagar um preço caro.

Gilberto Dimenstein

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Olhares externos sobre a eleição

Inverto a direção desta "Janela": em vez de olhar para o mundo, fico um pouco de como o mundo está olhando para o Brasil em modo eleição. Antes, convém dizer que não se trata de um resumo exaustivo, até porque é raro que jornalistas estrangeiros, em qualquer país, consigam dizer algo que já não tenha sido tratado na mídia local.
O sentimento mais ou menos generalizado da mídia externa é que aparece no "New York Times": "Analistas têm poucas dúvidas de que Rousseff prevalecerá no dia 31 de outubro, dada a onda de prosperidade no Brasil e o apoio popular ao governo Lula".
Esse sentimento se mescla à surpresa com o fato de que a eleição não foi decidida no primeiro turno, ao contrário do que apontavam as pesquisas até a antevéspera da votação. Interessante é a interpretação do "Monde": "Brasileiros se recusam a dar um cheque em branco para Dilma Rousseff".
Interpretação diferente aparece no sítio "MercoPress", uma agência eletrônica de notícias do Mercosul: "Analistas acreditam que o apoio a [Marina] Silva foi um voto de protesto contra os dois principais candidatos". Aliás, a votação de Marina e seu papel de eventual "king maker" é outro sentimento muito presente nos jornais externos.
Agora que não há mais Marina, para onde irão seus votos? "MercoPress" acredita que a maior parte irá para Serra, porque Serra e Silva (Silva, Marina, não Silva, Lula) podem ter fechado um acordo".

Chute ou furo? Saberemos em breve.

Como há um virtual consenso de que, em política econômica, ganhe quem ganhe, haverá poucas mudanças, as inquietações se voltaram principalmente para a política externa de um futuro governo Dilma (sempre partindo do pressuposto de que ela é favorita).
O "Washington Post" ouviu José Eduardo Cardozo, coordenador da campanha de Dilma, avisar que ele espera que sua candidata siga, no geral, o exemplo de Lula, tanto em assuntos domésticos como externos, "o que [para o jornal] incluiu laços cordiais com líderes autoritários como Fidel Castro e o iraniano Mahmoud Ahmadinejad".
São esses laços que incomodam líderes ocidentais e boa parte dos analistas internacionais. Como Juliette de Rivero, da Human Rights Watch, que criticou o Brasil pela abstenção na Comissão de Direitos Humanos da ONU em decisões que condenaram a Coreia do Norte e o Congo. De Rivero ressalva, de todo modo, que, este ano, o Brasil votou contra a Coreia do Norte.
Nos jornais da rede McClatchy, aparece Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático de Lula e coordenador do programa de governo de Dilma, dizendo que Dilma "manterá os princípios básicos [da política externa]". Ou seja promover a integração sul-americana, incrementar as alianças com países em desenvolvimento e manter o relacionamento com os Estados Unidos (em nível excelente, aliás).
Marco Aurélio prevê ainda diferenças apenas de estilo e diz que Dilma, inicialmente, voltará o seu foco para assuntos domésticos.
Coincide com o que tenho dito nas entrevistas que dei a meios internacionais, usando inclusive uma metáfora exagerada, ao estilo Lula: o presidente é do tipo efusivo, que beija na boca até líderes que acaba de conhecer; Dilma é muito mais reservada e apenas estenderá a mão para eles. Nem mesmo beijinho no rosto.

OUTRAS MULHERES, OUTROS VOTOS

*Em Lima, capital peruana, duas mulheres disputam quase voto a voto a Prefeitura. Susana Villarán, da coligação de esquerda moderada "Fuerza Social", levava vantagem pequena sobre Lourdes Flores, do conservador Partido Popular Cristão: 38,95% contra 36,85%, apurados quase 60% dos votos, no início da tarde.
Como Lima, além de capital, é a residência de um terço dos peruanos, o resultado da eleição municipal é visto como bom termômetro para a sucessão presidencial, a dar-se em 2011.
*Em Madri, Trinidad Jiménez, ministra da Saúde e candidata do presidente do governo, o socialista José Luís Rodríguez Zapatero, perdeu por apenas 558 votos (em 14,7 mil) a primária do socialismo madrilenho para a disputa do governo da Comunidade de Madri. Ganhou Tomás Gómez, presidente do partido em Madri.
A derrota da candidata de Zapatero marca o início do "postzapaterismo", segundo análise de Fernando Garea para "El País".

Clóvis Rossi

Dalai Lama

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Powoool!



Blog de Josias de Souza

Eleições: o que o Brasil tem de pior

Deveria ter sido o contrário. Um momento para se discutir os grandes desafios do Brasil.
Mas a eleição de 2010 foi, até aqui, um festival de incongruências e enganações.
É o grande paradoxo do Brasil: o país tem eleições livres que coroam um período de realizações importantes, com um futuro promissor.
Mas o momento cívico maior só revela, mais uma vez, o que o país tem de pior.
Movida a gastos públicos insustentáveis, a economia brasileira deve crescer também insustentáveis 8% neste ano. A poupança para controlar a dívida pública está comprometida pela sanha gastadora. Tudo para aprofundar a sensação de bem estar dos eleitores e a popularidade de Lula e de sua candidata.
Ao final do processo, ficamos sabendo que a mulher de confiança de Dilma Rousseff na Casa Civil, Erenice Guerra, era o gancho de um enorme cabide de empregos de seus parentes. Alguns trabalhando em negociatas corruptas dentro do Palácio do Planalto.
A revelação do caso gera ataques furiosos de Lula e Dilma à imprensa. Como se os jornais tivessem inventado tudo. Para completar, Lula diz que gostaria de exterminar um partido de oposição ao seu governo, o DEM.
Na oposição, o principal candidato, José Serra (que vive criticando a "farra nos gastos públicos") promete reajustar para R$ 600, sem mais nem menos, o salário mínimo. Pela regra em voga, o aumento seria quase zero, mas ele promete 18%.
Sem saber do que falava, mas também atrás de votos, Serra disse ainda que o aumento do mínimo elevaria o número de pessoas elegíveis para o Bolsa Família. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O mínimo nunca (nem no governo FHC) foi parâmetro para esse tipo de benefício social.
No final, Serra é pego telefonando para um ministro do STF, Gilmar Mendes, para falar sobre a obrigatoriedade de se levar dois documentos para a seção eleitoral neste ano. O ministro adia a votação, cujo desfecho não interessava aos tucanos.
O STF e o TSE deixam decisões cruciais para a undécima hora. A da obrigatoriedade dos dois documentos caiu na semana final da eleição. A decisão sobre contabilizar ou não os votos dos "fichas-sujas" ficou para depois.
Toda a configuração do Congresso pode ser alterada no futuro, assim como o peso dos partidos na Casa. Numa confusão digna de uma República de Bananas.
No mais, a Justiça em vários Estados ajudou a censurar notícias, a circulação de jornais e a divulgação de pesquisas eleitorais.
Isso tudo sem falar de Tiririca e Mulher Pêra. Ou de candidatos como Dilma, Quércia, Aloysio Nunes e Roriz que dizem guardar milhares de reais em casa sem nenhuma explicação plausível ou lógica.
Ao final, nada sobre infraestrutura, deficit gigantesco nas contas externas, dólar em baixa matando indústrias ou boas propostas para grandes problemas.
Difícil esperar um segundo turno mais edificante e honesto.

Fernando Canzian

Marina decidirá o plebiscito

No roteiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a eleição presidencial de 2010 seria uma disputa plebiscitária entre o PT e o PSDB. Mais do que isso, entre seus oitos anos de governo e outros oito anos do tucano Fernando Henrique Cardoso.
No meio do caminho, surgiu uma pedra. Para surpresa de Lula e de boa parte do mundo político de Brasília, Marina Silva deixou o PT em 13 de maio de 2008. Um anos depois, aceitou uma aventura de risco: disputar a Presidência da República pelo inexpressivo PV.
O resultado do primeiro turno mostra que Marina quebrou o plebiscito. Os méritos não são do PSDB de José Serra, mas da senadora que, de certa forma, vingou-se da forma como foi isolada no governo Lula.
Registro: ex-colegas de ministério de Marina se queixam de que ela não seria uma boa gestora. De acordo com essa versão, ela combinava ações na mesa do presidente, mas um suposto domínio de ONGs na máquina do Meio Ambiente desautorizava o acertado.
Marina sempre rebateu essa versão. Diz que todos os projetos que Lula quis realizar obtiveram as autorizações. Ressalta que nunca fez chegar à imprensa, enquanto ministra, versões desfavoráveis a Dilma Rousseff, ex-chefe da Casa Civil e hoje candidata à Presidência.
PT e PSDB não devem se iludir. Marina terá enorme importância no segundo turno. Petistas e tucanos já começam a cortejar seu apoio. Não adianta falar com o PV de José Luiz de França Penna. A votação que foi dada a Marina é dela --o "Lula de saias" que foi a grande surpresa desta eleição. Marina vai decidir o plebiscito.

Kennedy Alencar

Segundo turno é bom até para Dilma

A oposição tentou pregar em Dilma a imagem de um boneco ventríloquo de Lula. Se ela for eleita, podem apostar que, apesar de estar atenta ao ex-presidente (até por falta de opção), vai tentar imprimir marcar própria, afinal tem um temperamento forte. Mas a verdade é que ela é uma opção pessoal do presidente e as pessoas têm uma sensação (correta) de que a conhecem pouco. Por isso, o segundo turno é bom para todos. E também para Dilma.
Num país com baixa formação política e deficiências educacionais (vejam a vitória de Tiririca), o segundo turno é uma chance de expor com mais detalhamento as ideias, aumentar os confrontos, extrair mais tendências, expor fragilidades --e, claro, fortalezas. Fica menos fácil se esconder nas regras que engessam tanto os debates, impedindo o confronto.
Ganha o eleitor com a maior transparência. Ganha o candidato que, eleito com mais apoios, chega ao poder com maior legitimidade.

Gilberto Dimenstein

sábado, 2 de outubro de 2010

Cristã nova!



Blog Josias de Souza

Viva o Brasil!

A exclamação do candidato Plínio de Arruda Sampaio, 'viva o Brasil!', ao final do debate de quinta-feira na TV, pode até ter soado tacanha, demodé, nacionalista, sem dúvida condizente com as posições 'esquerdistas' de Plínio, mas meio tresloucada, certo?

Errado.

Naquele debate morno, dissimulado, em que ninguém debateu nada e todos apenas se ofereceram como a solução para todos os problemas, o 'viva o Brasil!' talvez tenha sido a única coisa realmente digna de nota.
Nós somos uma jovem democracia, uma parcela imensa dos que vão votar amanhã --todos aqueles na faixa dos 30 anos ou menos-- passou a se entender como cidadão enquanto dávamos os primeiros passos rumo ao amadurecimento como nação livre.
Pouquíssimos desses, e também dos demais, sabem o que realmente significou sair praticamente direto do pós Segunda Guerra para uma ditadura militar que durou longas, escuras e dolorosas duas décadas, da metade dos anos 60 até a metade dos anos 80.
Vamos falar de censura, de falta de liberdade de imprensa, de totalitarismo nos meios de comunicação, de cerceamento das liberdades, de suspensão do direito ao voto, de prisões, de falsidade nos números da economia, de subsdesenvolvimento, de miséria, material e espiritual?
Ok, então não vamos falar do Brasil de hoje, em que por mérito de nosso próprio povo e apesar de tantos políticos, por mérito de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, somos uma nação perto, muito perto ocupar posto destacado e definitivo no cenário internacional.
Perto, muito mais perto do que nunca estivemos de diminuir verdadeiramente a desigualdade, de extirpar a miséria, de distribuir dignidade a nossos conterrâneos menos favorecidos.
Depois de 20 anos de ditadura, depois de Sarney, de Collor (lembram?), depois de incertezas com Itamar e após dois mandatos de FHC e dois mandatos de Lula, com todos seus erros e acertos, estamos, sim, muito melhores, mais maduros, mais fortes, mais determinados. Doa a quem doer.
Mas campanha eleitoral é assim mesmo: disputas, discordâncias, acusações, imprensa de um lado, candidatos de outro, partidarismos dissimulados ou não, tensões às vezes exageradamente explícitas, ânimos exaltados, ódios até.
É assim, mas poderia não ser, viu?, poderia ser tudo isso proibido, vetado, censurado, como foi durante tanto tempo, um tempo que a gente venceu. É assim porque nós lutamos, vencemos e conquistamos o direito de que assim seja.
E isso não é pouco nem deve ser esquecido.
O Brasil é uma jovem democracia a caminho da modernidade, no nosso caso inevitável. É nossa vocação, nosso desejo, nosso destino.
Ganhe quem ganhar no pleito de amanhã, haja ou não segundo turno, não importa: teremos dado mais um passo firme, determinado e inexorável em direção ao futuro.
Portanto, Plínios, Dilmas, Serras, Marinas simbolizando todos os que disputam um cargo neste país afora, mais todos aqueles que vão às urnas fazer livremente suas escolhas amanhã, é pertinente dizer:

Viva o Brasil!

Luiz Caversan

Como tem se relacionado com seus sonhos?